domingo, 5 de setembro de 2010

Se o Estado é rico, por que o povo é pobre?

Dizer que o Pará é um Estado rico com povo pobre virou um grande clichê, repetido a exaustão em campanhas eleitorais, mas poucas frases resumem tão bem o desafio desse Estado, que está entre os seis maiores exportadores do País, tem a maior jazida de ferro do mundo a céu aberto, mas ocupa as últimas posições no ranking nacional da renda média de seus habitantes.
Entre a população ocupada, a renda média mensal é de R$ 680, a menor da região Norte, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Roraima, por exemplo, a média é de R$ 894. No vizinho Amazonas, chega a R$ 821. O péssimo desempenho da renda é difícil de explicar quando se compara a pujança econômica desses Estados.
“É o que eu chamo de economia de contrastes. O Pará tem muitas riquezas, mas não consegue distribuí-las. Esse é o desafio”, diz o coordenador técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Roberto Sena. No Pará, 11,8% da população ocupada - quase 400 mil pessoas - têm rendimento inferior a meio salário mínimo. Mais de 850 mil, o equivalente a 25% dos paraenses ocupados têm renda entre meio e um salário mínimo. Apenas 10,2 mil pessoas (o equivalente a 0,31% dos paraenses ocupados) ganham mais que 20 salários mínimos, segundo o IBGE.
Diferente do que ocorreu nos anos 90, a falta de vagas no mercado de trabalho não é mais o principal problema quando se fala em geração de emprego e renda no Pará. O problema hoje está na baixa qualificação dos paraenses, que correm o risco de ficar à margem do boom dos empregos previsto por entidades empresariais e sindicatos para os próximos quatro anos.
As estimativas são de que obras como a usina hidrelétrica de Belo Monte, o plantio de palma e a produção de biocombustível e empreendimentos como a siderúrgica que a Vale vai implantar em Marabá gerem perto de 120 mil empregos até 2014. A questão é: os paraenses estão preparados para ocupar essas vagas? A resposta por enquanto é não.
O Pará ainda não conseguiu criar programas que realmente qualifiquem os trabalhadores para boas vagas no mercado de trabalho. Aos 21 anos, Sthephany Monteiro procura seu primeiro emprego com carteira assinada. Terminou o ensino médio, fez curso de informática e um treinamento para o setor de turismo, oferecido por um programa do governo voltado para capacitar jovens. Até agora, contudo, não conseguiu a vaga que tanto deseja.
“Encontrei um emprego em call center, mas eles pediram curso de secretariado”, diz. A irmã, Suelem, que sonha em ser arquiteta, também procura emprego. As duas já trabalharam como auxiliar de loja e atendente em uma lan house, mas foi trabalho informal que não serve para comprovar a tão exigida experiência profissional.
Com apenas o ensino fundamental, Max Domingos quer uma vaga de porteiro ou segurança. Também vem enfrentando dificuldade desde que foi dispensado, há sete meses, do antigo trabalho num shopping onde atuava como orientador de garagem. “Estou procurando qualquer coisa. Hoje em dia, não dá para escolher”. Pessoas como Suelem, Sthephany e Max podem ver o bonde das oportunidades passar sem as ferramentas necessárias para conquistar espaço nele.
EDUCAÇÃO
Está passando da hora de o Estado investir em educação e qualificação profissional, já que hoje não dá mais para ficar apenas lamentando a falta de vagas. Para este ano, por exemplo, o cenário é altamente favorável se comparada aos dois últimos anos, quando o Estado sofreu o revés da crise econômica internacional que atingiu principalmente setores exportadores, onde a economia do Pará é mais forte.
Dados analisados pelo Dieese, com base em informações oficiais do Ministério do Trabalho, apontam que nos primeiros sete meses de 2010 o saldo entre demissões e contratações foi de 23.284, o segundo melhor já alcançado pelo Pará nesta década. O departamento estima que até o final deste ano o Pará poderá atingir saldo recorde de postos de trabalho, algo em torno de 30 mil empregos formais. Os setores mais promissores são construção civil, comércio e serviços.
O fato é que nunca o Brasil gerou tantos empregos e o Pará acabou pegando carona na boa fase da economia que começou no segundo semestre do ano passado, após a crise. O diretor técnico do Dieese divide a última década em três períodos. O primeiro, entre 2000 e 2003, seria o do início da retomada do crescimento do Estado com aumento na geração de postos de trabalho, depois de um longo período de trevas. A média de vagas nesse período foi de 9.973 empregos formais por mês.
O segundo período apontado por Sena vai de 2004 até o primeiro semestre de 2008. “Nesse intervalo, tivemos um crescimento acelerado em praticamente todas as atividades econômicas do Estado e a geração recorde de empregos formais”, descreve. A terceira fase, que vai de julho de 2008 até dezembro 2009, foi marcada pela crise, com um saldo acumulado do emprego formal no Estado do Pará de apenas 16.106 postos de trabalho. Em 2009, por exemplo, o saldo positivo foi de apenas 7.380 postos de trabalho, o menor da década.
Passada a crise, tudo indica que o Pará entrará numa fase de bonança. Caberá ao próximo governador garantir que essa boa fase traga benefícios duradouros aos paraenses. (Diário do Pará)

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